quinta-feira, 22 de abril de 2010

São Jorge: seguidor de Cristo

A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro se movimenta no próximo dia 23 de abril para a comemoração da festa de São Jorge. O antigo feriado municipal, agora transformado também em estadual, a pedido do povo e da sua tradição, demonstra o carinho e a importância da festa. Desde a madrugada do dia até o anoitecer as comemorações se sucedem em todas as regiões da cidade.

É interessante notar como a devoção por São Jorge é popular em nossa região, mesmo com a adição de algumas lendas medievais em sua história. Demonstra que é a figura de alguém que vive o Evangelho no seguimento de Jesus Cristo, sendo exemplo de vida em todas as épocas e para além daqueles que vivem a fé cristã.

São Jorge é cultuado na Igreja Católica, porém traz o apreço de inúmeras pessoas e grupos que o têm em grande consideração. Venerado no mundo inteiro, ele é patrono da Inglaterra, Portugal, Geórgia, Catalunha, Lituânia e da cidade de Moscou.

Apesar de São Jorge ter vivido há muito tempo, ele está bem próximo de nós e seu testemunho sempre será atual. Quem foi ele? O que podemos aprender com a sua vida e o seu testemunho de fé? Santo é todo aquele que na vida buscou configurar-se a Cristo, por meio da vivência cristã. Que soube em meio as dificuldades ser fiel a Jesus Cristo, dando bom exemplo de vida: amando a Deus e ao próximo e traduzindo em sua própria existência a mensagem do Evangelho, que continuamente nos chama a vivermos no amor, na misericórdia e na justiça. São Jorge foi um cristão de verdade, nos é colocado como intercesssor e, muito mais, como modelo, porque soube amar a Deus e ao próximo.

De acordo com a tradição, São Jorge teria nascido na antiga Capadócia, região do Sudeste da Anatólia que, atualmente, faz parte da Turquia. Quando criança mudou-se para a Palestina com sua mãe após a morte de seu pai em uma batalha. Chegada à adolescência, Jorge entrou para a carreira militar da qual logo foi promovido a capitão do Exército Romano. Devido a sua dedicação e suas várias qualidades, recebeu do imperador romano a função de tribuno militar.

São Jorge viveu entre os séculos III e IV, quando a Igreja era perseguida pelos imperadores romanos. Com planos de matar todos os cristãos, o imperador Diocleciano estava definindo em reunião o decreto de extermínio, quando surgiu a figura de São Jorge declarando-se espantado com aquela decisão, e afirmou que os ídolos adorados nos templos pagãos eram falsos deuses. Todos ficaram surpresos por sua atitude e palavras, pois fazia parte da suprema corte romana. Indagado por um cônsul sobre sua ousadia, São Jorge respondeu-lhe que era por causa da Verdade. O cônsul pergunta-lhe: a ele “O que é a Verdade”. Jorge respondeu-lhe: “A Verdade é meu Senhor Jesus Cristo, a quem vós perseguis, e eu sou servo de meu redentor Jesus Cristo, e Nele confiando me pus no meio de vós para dar testemunho da Verdade”. Depois destas palavras, o imperador tentou fazê-lo desistir da fé torturando-o de vários modos. Após cada tortura era levado ao imperador, que lhe perguntava se renegaria a Jesus para adorar os ídolos. Contudo, Jorge sempre confirmava a sua fé em Jesus Cristo. Finalmente, o imperador Diocleciano, não tendo êxito, mandou degolá-lo no dia 23 de abril de 303, em Nicomédia (Ásia Menor).

Os restos mortais de São Jorge foram transladados para Lida (cidade em que crescera sua mãe), na região do atual Israel. Lá foi sepultado, e mais tarde o imperador cristão Constantino mandou erguer um suntuoso oratório aberto aos fiéis, para que a devoção ao Santo fosse espalhada por todo o Oriente. Dessa maneira, bem foi propagada a sua devoção por meio do seu belo testemunho de seguidor de Jesus e de cristão que deu a sua própria vida por Aquele que é a Suprema Verdade. Devemos aprender com São Jorge de a ter este mesmo zelo e amor por Cristo e a não nos calarmos diante das injustiças que saltam aos nossos olhos, mas ter com a coragem necessária para denunciar e fazer o melhor para Deus e para o bem do próximo. A Igreja sempre sofreu perseguições no decorrer de sua história. São Jorge é um exemplo de fortaleza de um guerreiro na constância da fé e nos dá coragem para enfrentarmos hoje as dificuldades de ser cristão.

Neste dia em que milhares de pessoas se deslocam até as igrejas e capelas de São Jorge para manifestar seu carinho e sua busca de ver nesse homem de Deus um grande exemplo de vida e um intercessor junto a Deus, contemplemos com os olhos da fé a multidão que busca a vida em Cristo e peçamos a Deus para que todos experimentem a alegria do seguimento da vida segundo o Evangelho e, assim, caminhem nesse novo dia brotado na Páscoa do Senhor.

Peçamos que a exemplo de São Jorge possamos lutar contra o dragão do mal para sermos vencedores nesta batalha contra os questionamentos da nossa fé. Que com a mesma coragem professemos a nossa fé neste tempo de tantas questões e problemas e que com o coração aberto vivamos como irmãos e irmãs que em Cristo se amam. Que pela intercessão de São Jorge possam recair sobre as nossas vidas muitas bênçãos de Deus!

São Jorge! Rogai por nós!

+ Orani João Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro

sábado, 17 de abril de 2010

Abril de Bento XVI

Dezesseis de abril é o dia do aniversário natalício de Sua Santidade o Papa Bento XVI, gloriosamente reinante. No próximo dia 19 celebraremos mais um ano de sua eleição à sucessão de Pedro e no dia 24 deste mesmo mês o início solene do seu ministério de Pastor Universal da Igreja. Foi também em abril, no dia 5, que ele recebeu a nomeação como Cardeal. Este mês normalmente é o mês em que ocorre a Páscoa e que a primavera começa no hemisfério Norte. Sempre é tempo de esperança que renasce e de horizontes novos que vislumbramos ao viver este tempo de grandes mudanças culturais. Quero aqui manifestar meu sincero agradecimento ao Papa, por ter, apesar de minhas limitações pessoais, me confiado o pastoreio da Igreja que peregrina nesta cidade maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro para, na caridade, ser o Arcebispo deste povo nestes dias tão machucado pelas trágicas situações das consequências da catástrofe metereológica e da falta de planejamento urbano, além dos problemas sociais enormes já existentes, mas com um sonho de mudanças e fraternidade decorrentes de sua tradição cristã anunciada desde os albores da fundação desta cidade.

Por isso, nestes dias em que o Papa Bento XVI comemora os seus oitenta e três anos de vida e cinco anos de Pontificado, com uma caminhada abençoada, coerente, retilínea, gostaria de ressaltar um pouco a importância canônica e pastoral do Sucessor de Pedro. Diz o Código de Direito Canônico no Cânon 330 que: “Assim como, por disposição do Senhor, São Pedro e os outros Apóstolos constituem um único Colégio, de modo semelhante o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos, estão unidos entre si”. Nesta íntima união entre o Vigário de Cristo e o Colégio dos Bispos, “O Bispo da Igreja de Roma, no qual perdura o múnus concedido pelo Senhor singularmente a Pedro, primeiro dos Apóstolos, para ser transmitido aos seus sucessores, é a cabeça do Colégio dos Bispos, Vigário de Cristo e aqui na terra Pastor da Igreja universal. Ele, pois, em virtude de seu múnus, tem na Igreja o poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal que pode sempre exercer livremente” (cf. Cânon 331). O ministério da Igreja é universal e ele tem a primazia sobre todas as Igrejas particulares (cf. Cânon 333, § 1); ele está sempre em comunhão com os outros Bispos e até com toda a Igreja, tendo o direito de determinar o que for necessário para o bem de todos os fiéis e da Igreja. “O Romano Pontífice, como sucessor de Pedro, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade quer dos Bispos quer da multidão dos fiéis.” (cf. LUMEN GENTIUM, 23)

Nas Sagradas Escrituras, em São Mateus, capítulo 16, diz Cristo só a Pedro: “tudo o que ligares na terra será ligado no céu…” Logo, a São Pedro e os seus legítimos sucessores têm a plenitude dos poderes na Igreja de Deus. O Evangelho de São Mateus, capítulo 18, ensina que Cristo disse aos seus apóstolos com Pedro: “tudo o que ligardes na terra será ligado nos céus…” Logo, no Colégio apostólico com Pedro, reside também a plenitude dos poderes eclesiásticos. Eis o Evangelho. E a Igreja ensina que no Papa, sucessor de São Pedro, reside a plenitude dos poderes e serviços, e que no corpo episcopal em união com o Papa – sucessão do Colégio apostólico com Pedro – se acha igualmente a mesma plenitude de jurisdição.

Por isso, nestes dias em que comemoramos o natalício e o início do ministério de Pastor Universal da Igreja do sucessor de Pedro deve ressoar em nossos corações o Evangelho de São Mateus, capitulo 17, que afirma que Pedro é a rocha da Igreja. Jesus conscientizava os Apóstolos perguntando-lhes quem Ele é na opinião dos outros e deles mesmos. Pedro responde pelos Doze, chamando-o de Messias (cf. Mc. 8,29) e “filho de Deus” (Mt. 14,33). Sobre esta fé de Pedro, Jesus edifica a sua comunidade – a Mãe Igreja. O poder do inferno e as suas manifestações exteriores não poderão jamais sucumbir a Igreja, calar a voz de Pedro e de seu legítimo sucessor, o Papa Bento XVI. Por isso, Jesus confiou a Pedro o serviço de administrar a comunidade eclesial, através da simbologia das chaves que abrem as portas do céu e que fecham as portas do céu, ligando e desligando.

Cada domingo, com o Credo, renovamos a nossa profissão de fé na ressurreição de Cristo, acontecimento surpreendente que constitui a chave do cristianismo. Na Igreja tudo se compreende a partir deste grande mistério, que mudou o curso da história e que se torna atual em cada celebração eucarística. Mas existe um tempo litúrgico no qual esta realidade central da fé cristã, na sua riqueza doutrinal e inexaurível vitalidade, é proposta aos fiéis de modo mais intenso, para que cada vez mais a redescubram e mais fielmente a vivam: é o tempo pascal. Dentro deste contexto nós comemoramos o aniversário do Papa Bento XVI, quando somos chamados a renovar a nossa adesão a Cristo morto e ressuscitado por nós: a sua Páscoa é também a nossa Páscoa, porque em Cristo ressuscitado é-nos dada a certeza da nossa ressurreição. A notícia da sua ressurreição dos mortos não envelhece e Jesus está sempre vivo; e vivo é o seu Evangelho. "A fé dos cristãos, observa Santo Agostinho, é a ressurreição de Cristo". Os Atos dos Apóstolos explicam-no claramente: "Deus ofereceu a todos um motivo de crédito com o fato de O ter ressuscitado dentre os mortos" (17, 31). De fato, não era suficiente a morte para demonstrar que Jesus é verdadeiramente o Filho de Deus, o Messias esperado. No decorrer da história muitos consagraram a sua vida a uma causa considerada justa e morreram! E permaneceram mortos. A morte do Senhor demonstra o amor imenso com que Ele nos amou até ao sacrifício por nós; mas só a sua ressurreição é "prova certa", é certeza de que quanto Ele afirma é verdade que vale também para nós, para todos os tempos. Ressuscitando-o, o Pai glorificou-o. São Paulo assim escreve na Carta aos Romanos: "Se confessares com a tua boca o Senhor Jesus e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (10, 9).

O Papa Bento XVI vem sendo o corajoso anunciador da verdade que incomoda: JESUS CRISTO, morto e ressuscitado! Ele está vivo e a sua mensagem e o Seu Evangelho nos interpelam a mudar de vida e a buscar uma coerência evangélica, em defesa da vida e na construção de uma civilização do amor. Embora façamos sempre, em especial neste mês, rezemos neste tempo pascal nas intenções do Romano Pontífice, o Papa.

Quero manifestar meus votos e da Arquidiocese do Rio de Janeiro de felicidade, saúde e vida longa ao Papa BENTO XVI, fazendo minhas as suas proféticas palavras, na sua primeira fala, eleito Pontífice Romano, a 20 de abril de 2005: “Tu és o Cristo! Tu és Pedro! Parece-me reviver a mesma cena evangélica; eu, Sucessor de Pedro, repito com trepidação as palavras trepidantes do pescador da Galileia e ouço novamente, com íntima emoção, a promessa tranquilizante do divino Mestre. Se é enorme o peso da responsabilidade que recai sobre os meus pobres ombros, é certamente desmedido o poder divino sobre o qual posso contar: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18). Ao escolher-me para Bispo de Roma, o Senhor quis-me para seu Vigário, quis-me "pedra" sobre a qual todos possam apoiar-se com segurança. Peço-Lhe que auxilie a pobreza das minhas forças, para que eu seja corajoso e fiel Pastor do seu rebanho, sempre dócil às inspirações do seu Espírito.”

Santo Padre, quem o chamou e o colocou à frente da barca de Pedro foi a Trindade. Neste tempo de grandes transformações necessitamos também de grandes profetas, mesmo sabendo que nem sempre são compreendidos e muitas vezes martirizados, mas não temos para onde ir, pois só Cristo tem “palavras de Vida Eterna. Nestes dias em que ressoa em seu coração as mesmas Palavras de Pedro a Jesus: “tu sabes que Te amo”, razão de toda a missão, desejo ao querido Pai e Pastor, “ad multos et multoques annos”. Amém, Aleluia!


+ Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro

domingo, 11 de abril de 2010

Domingo da Misericórdia

O Servo de Deus João Paulo II instituiu o Domingo da Divina Misericórdia, celebrado ano a ano, no domingo seguinte à Solenidade da Páscoa do Senhor Ressuscitado. Na tradição mais antiga era o domingo da semana “in albis” que encerrava o tempo da iniciação “aos mistérios” dos neo-batizados na Páscoa. Hoje essa tradição assumiu como uma forma de viver a vida cristã. Nesse sentido, o “terço da misericórdia” é um dos mais divulgados e assumidos dentro das devoções particulares.

O decreto da Penitenciaria Apostólica sobre as indulgências para esse domingo recorda que, “com providencial sensibilidade pastoral, o Sumo Pontífice João Paulo II, a fim de infundir profundamente na alma dos fiéis estes preceitos e ensinamentos da fé cristã, movido pela suave consideração do Pai das Misericórdias, quis que o segundo Domingo de Páscoa fosse dedicado a recordar com especial devoção estes dons da graça, atribuindo a esse domingo a denominação de “Domingo da Divina Misericórdia” (Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Decreto “Misericors et miserator”, 5 de Maio de 2000).

Neste domingo, o da caridade e da misericórdia, contemplamos o que nos diz o livro do Apocalipse: “Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último. O que vive; conheci a morte, mas eis-Me aqui vivo pelos séculos dos séculos” (Ap 1, 17-18). A certeza destas palavras confortadoras nos levam a um encontro permanente com o Senhor Vivo e Ressuscitado que caminha conosco na vida cotidiana.

Foi também no Domingo da Misericórdia do ano passado que comecei minha missão nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Recordo com muita emoção a bela e entusiástica acolhida deste querido povo em nossa Catedral de São Sebastião. Essa ocasião que não foi escolhida, mas sim foi a possível para marcarmos essa solenidade, é também um sinal de Deus para mim: trabalhar levando a misericórdia a todos, lembrando da vida nova que nos vem pelo Batismo e pela confissão, além de ter certeza de que o Senhor nos faz novos com a sua misericórdia.

Nesse sentido está muito longe do verdadeiro sentido da misericórdia a ideia falsa que isso tornaria as pessoas ainda mais fracas e continuariam no erro. Aliás, essa foi uma ideia que fizeram muitas vezes do cristianismo. É muito mais difícil, digo, é impossível perdoar – é muito mais fácil deixar correr o ódio e a vingança que saem quase espontaneamente dos corações machucados. O Cristão é chamado a ser sinal da misericórdia e perdão, sem ser conivente com o pecado e o erro. Acredito que esse é um tema que teremos que voltar muitas vezes para experimentarmos a cura que vem de nossa vida de conversão.

Recebi uma citação de Thomas Merton que repasso, pois creio que está dentro desse momento de nossa vida: “Misericórdia e justiça parecem-nos diferentes, nos atos de Deus constituem a expressão do seu amor. Sua justiça é o amor que distribui a cada criatura o bem que já foi determinado pela misericórdia. E a sua misericórdia é o amor cedendo, fazendo justiça as suas próprias exigências, e renovando os dons que havíamos recusado.”

Para marcar esse dia irei, no domingo à tarde, oficializar como Santuário Arquidiocesano da Divina Misericórdia a Igreja que já tem essa missão e função em nossa Arquidiocese, pedindo a Deus que as romarias e os trabalhos que lá serão executados ajudem na paz e fraternidade em nossa cidade.

Em meio à catástrofe que se instalou em nossa cidade do Rio de Janeiro e, praticamente em todo o nosso estado fluminense, com as chuvas intermitentes desde o último domingo, com os olhos fitos em Deus, somos convidados, neste sentido, a dirigir o olhar para Cristo, para experimentar a sua presença tranquilizadora nestes momentos de dificuldades e de sofrimentos.

O saldo da tragédia é irreparável, com mais de cem mortes, muitas pessoas desabrigadas, perdendo todos os seus pertences, numa situação dramática e com grande sofrimento para o povo querido de nossa Arquidiocese e dentro do âmbito de todo o Estado do Rio de Janeiro.

Para concretizar a nossa solidariedade, pedi às Paróquias, às comunidades religiosas e a todas as instituições da Arquidiocese, em especial a Cáritas Arquidiocesana, para atuar e ir em socorro de urgência em todas as nossas comunidades, além da ajuda em bens, alimentos e dinheiro que estão sendo arrecadados e entregues. É a Igreja Católica do Rio de Janeiro fazendo sua parte. Muitas vezes ajudamos outros locais com as arrecadações que fazemos nas catástrofes. Agora é o momento de nos unirmos às demais entidades e aos governos para minimizar o ocorrido e encontrar caminhos para o futuro como, alíás, recorda a nota que emiti na segunda-feira passada.

Porém, mesmo procurando fazer nossa parte no trabalho social, também lembramos a palavra deste domingo quando, a cada um, seja qual for a condição em que se encontre, até a mais complexa e dramática, o Ressuscitado responde: “Não temas!”; morri na cruz, mas agora “vivo pelos séculos dos séculos”; “Eu sou o Primeiro e o Último. O que vive”. “O Primeiro”, isto é, a fonte de cada ser e a primícia da nova criação: “O Último”, o fim definitivo da história; “O que vive”, a fonte inexaurível da Vida que derrotou a morte para sempre. No Messias crucificado e ressuscitado reconhecemos os traços daquele que foi imolado no Gólgota, que implora o perdão para os seus algozes e abre para os pecadores penitentes as portas do céu; entrevemos o rosto do Rei imortal que já tem “as chaves da Morte e do Inferno” (Ap 1, 18).

Deus é a nossa esperança nestes momentos de dificuldades, de sofrimentos, de catástrofes. E é por causa da fé que nós nos unimos e trabalhamos juntos como irmãos e nos ajudamos sem nenhum interesse, a não ser o de servir Jesus Cristo na pessoa do próximo. Nesse sentido somos chamados a cantar com o Salmista: “Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterno o Seu amor” (Sl 117, 1). Façamos nossa a exclamação do salmista, que cantamos no Salmo responsorial: “porque é eterno o amor do Senhor!” Em Cristo humilhado e sofredor, crentes e não-crentes podem admirar uma solidariedade surpreendente, que o une à nossa condição humana para além de qualquer medida imaginável. Também depois da Ressurreição do Filho de Deus, a Cruz “fala e não cessa de falar de Deus Pai, que é absolutamente fiel ao seu eterno amor para com o homem. Crer neste amor significa acreditar na misericórdia” (“Dives in misericórdia”, 7).

Nesse cenário de sofrimento e de privações para todos os nossos irmãos do Estado do Rio de Janeiro, quero unir-me a todos vós, queridos irmãos que sofrem por terem perdido as suas casas, por terem perdido os seus pertences, por estarem desabrigados, com frio, com fome, com dificuldades de toda a sorte. Vejo no olhar de todos o desejo de fraternidade e de encontrar caminhos novos. Muitos olhares tristes e outros com muitas perguntas. Sinto a necessidade de estar muito próximo de todos dizendo: coragem, vamos adiante e nos demos as mãos! Celebrarei na Catedral Metropolitana às 10h, dentro da Festa da Misericórdia, a Missa na intenção de todos os que perderam a vida nesta catástrofe, por todos os que sofrem e por todos os que ajudam e ajudaram-se uns aos outros.

Nesses dias de provação lembro a figura singular de Santa Faustina Kowalska, testemunha e mensageira do amor misericordioso do Senhor, e peço misericórdia pelo estado de calamidade que vive o nosso estado. Santa Faustina nos ensinou buscar em Jesus diante das catástrofes e dos sofrimentos.

Neste domingo não podemos nos esquecer do que o Evangelista João faz-nos partilhar a emoção sentida pelos Apóstolos no encontro com Cristo depois da sua Ressurreição. A nossa atenção detém-se no gesto do Mestre, que transmite aos discípulos receosos e admirados a missão de serem ministros da Misericórdia divina. Ele mostra as mãos e o lado com os sinais da paixão e comunica-lhes: “Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós” (Jo 20, 21). Imediatamente a seguir, “soprou sobre eles e disse-lhes: recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23). Jesus confia-lhes o dom de “perdoar os pecados”, dom que brota das feridas das suas mãos, dos seus pés e, sobretudo, do seu lado trespassado, de onde saem os raios de misericórdia para toda a humanidade.

O Sagrado Coração de Cristo deu tudo aos homens: a redenção, a salvação, a santificação. Deste Coração superabundante de ternura, Santa Faustina Kowalska viu sair dois raios de luz que iluminavam o mundo. “Os dois raios segundo quanto o próprio Jesus lhe disse representam o sangue e a água” (“Diário”, pág. 132). O sangue recorda o sacrifício do Gólgota e o mistério da Eucaristia; a água, segundo o rico simbolismo do evangelista João, faz pensar no Batismo e no dom do Espírito Santo (cf. Jo 3, 5; 4, 14). Através do mistério deste coração ferido, não cessa de se difundir também sobre os homens e as mulheres da nossa época o fluxo reparador do amor misericordioso de Deus. Quem aspira à felicidade autêntica e duradoura, unicamente nele pode encontrar o seu segredo.

As misericórdias de Deus acompanham-nos dia após dia. Somos demasiado inclinados para sentir apenas a fadiga quotidiana que, como filhos de Adão, nos foi imposta. Mas se abrirmos o nosso coração, então podemos, mesmo imersos nela, ver também continuamente quanto Deus é bom conosco; como Ele pensa em nós nas pequenas coisas, ajudando-nos assim a alcançar as grandes.

Sei que têm muitos fatos e situações que ainda são desconhecidos (alguns deles me chegam através das Paróquias) e que necessitamos de nos dar as mãos. Mas o maior desafio será o da reconstrução e de fazermos juntos os planos para o amanhã, quando as emoções cessarem e as notícias não forem mais sensacionais para estarem na mídia: a Igreja é chamada a continuar a servir com alegria e compromisso todo o nosso povo, levados pela fé em Cristo e amor aos irmãos e irmãs sem nenhuma distinção por etnia, religião e ideologia.

Junto com a responsabilidade que há um ano assumi aqui nesta nossa cidade, o Senhor trouxe também belos sinais para a minha vida; um deles é o que vejo da solidariedade. Repetidamente vejo com alegria reconhecida quanto é grande o número dos que estão solidários em receber ou encontrar acomodações para as pessoas desabrigadas e sofridas com a situação de nosso estado, outros próximos dos que sofreram as perdas de seus entes queridos, muitos ajudando no resgate de pessoas e na limpeza e arrumação das casas. Tudo isso reconhecendo a luz de Cristo a iluminar os nossos caminhos. A todos, os que ajudam e que são ajudados, os que se colocam à disposição e aos que necessitam de cuidados, uma bênção especial.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 2010

D. Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro